terça-feira, 12 de julho de 2011

Um ato de amor

Hora do intervalo na escola estadual. Lá no pátio as crianças brincam, correm,
brigam, conversam, paqueram. Nasala de professores, coloca-se assuntos em dia.
Uns atualizam seus diários de classe, outros folheiam o jornal, a maioria conversa
sobre o salário e tudo quanto ele jamais poderá comprar. De repente, a conversa é
interrompida pelo ingresso repentino de uma jovem, com roupa de enfermeira,
solicitando uma desesperada ajuda:
- Por favor. Será que alguém pode ajudar. Estamos lá no hospital, aqui ao lado, com
um paciente “aberto” e o médico desmaiou. O anestesista nega-se a continuar a
cirurgia e eu não sei o que fazer. Será que algum dos professores pode ir até lá e dar
continuidade à operação?
Não. Infelizmente não. O ato cirúrgico é um procedimento altamente profissional e
somente especialistas em saúde podem promovê-lo. O professor pode sentir extrema
solidariedade pelo paciente e até pela enfermeira em seu santo desespero. Mas, nada
pode fazer para ajudar. Nenhum professor é especialista em atos cirúrgicos.
Não é, também, especialista em atos jurídicos. Para isso existem advogados e, se
chamados a defender um réu, certamente teriam a dignidade de recusar. Toda
sociedade brasileira compreende que o ato cirúrgico é para o médico, o ato
econômico, para o economista, o ato jurídico, para o advogado... e assim por diante.
Compreende, enfim, que cada profissão se expressa pela execução de sua missão,
através do exercício de um perito especialista no uso dessas habilidades.
Será que compreende, mesmo?
Infelizmente compreende em parte. O ato pedagógico, o riais nobre dos gestos de
amor, é ministrado por professores, mas muitos crêem que também médicos,
engenheiros, advogados, administradores, sapateiros, farmacêuticos, mecânicos,
meteorologistas e sabe-se lá mais quem mais, podem “dar uma aula”. Afinal, basta
conhecer um assunto e ir lá à frente falar sobre o mesmo...
Infelizmente poucos sabem que a verdadeira aula consiste em ensinar a aprender,
treinar a atenção, desenvolver habilidades, fazer do conteúdo um instrumento para a
descoberta de soluções novas. A sociedade brasileira, com raras exceções, ainda não
descobriu que, se existem aulas que não levam ninguém a lugar algum, existem
outras que constroem o ser humano e exploram toda incrível potencialidade de suas
múltiplas inteligências.
A verdadeira aula é um nobre ato. O ato pedagógico é o ato do amor.
(Celso Antunes, em "Marinheiros e Professores")

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